Um vidro de pimenta
foi tudo
que sobrou
do meu amor
um vidro de
pimenta
malagueta
vermelha,
ardida
gostosa se
pouca
perigosa se
em excesso
um vidro de
pimenta
que ele fez
lembro de como
ele fez
lembro das
mãos dele
cortou cebola
colocou azeite
colocou alho
curtiu um tempo
um vidro de
pimenta
e também uma
camisa
que eu ia jogar
no lixo
junto com as
outras roupas
mas não joguei
e no banheiro
no espelho
ficou uma
escova de dente
nova que ele ia
ainda usar
e que não usou
eu usei
do resto, tudo
se foi
nem as fotos
guardei
nenhum livro
dele
esquecido
nenhum disco
velho
perdido
tem um livro só
que ele me deu
um pouco antes
de nosso adeus
eu que não quis
eu que não o quis
mais
embora minha alma
mostrasse a mim mesma
o quanto pertence
a ele.
Como naquele poema
e como na vida
de Castro Alves.
Eu não o quis
não por falta de amor
mas pela vida que
assim,
exigiu
a tragédia faz parte
de uma bela história
de amor
e como história
ella sempre terá
começo, meio
e fim
a tragédia maior
é que o sentimento
sobrevive a ella
a pimenta está
em cima da geladeira
ainda
outro dia
coloquei mais azeite
nela.