sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Da Vida

Um vidro de pimenta
foi tudo que sobrou
do meu amor

um vidro de pimenta
malagueta
vermelha, ardida
gostosa se pouca
perigosa se em excesso


um vidro de pimenta
que ele fez
lembro de como ele fez
lembro das mãos dele

cortou cebola
colocou azeite
colocou alho
curtiu um tempo

um vidro de pimenta
e também uma camisa
que eu ia jogar no lixo
junto com as outras roupas
mas não joguei

e no banheiro
no espelho
ficou uma escova de dente
nova que ele ia ainda usar
e que não usou

eu usei

do resto, tudo se foi
nem as fotos guardei
nenhum livro dele
esquecido
nenhum disco velho
perdido

tem um livro só
que ele me deu
um pouco antes
de nosso adeus

eu que não quis
eu que não o quis
mais
embora minha alma
mostrasse a mim mesma
o quanto pertence
a ele.

Como naquele poema
e como na vida
de Castro Alves.

Eu não o quis
não por falta de amor
mas pela vida que assim,
exigiu

a tragédia faz parte
de uma bela história
de amor

e como história
ella sempre terá
começo, meio
e fim

a tragédia maior
é que o sentimento
sobrevive a ella

a pimenta está
em cima da geladeira
ainda
outro dia
coloquei mais azeite
nela.