sábado, 28 de setembro de 2019

À você que luta sem poesia

À Você que luta sem poesia
Caro militante,
tu que não tens ternura
e que cavas o peito,
ainda quer derrubar governos,
Mas não derruba
os nós que te amarram
os grilhões que te condenam
teus medos e tuas próprias prisões.
Caro militante.
Se preocupa com o capitalismo,
Mas não se livra de seus moralismos.
Faz da luta o seu umbigo.
E não se importa com a luta
que não te toca, que não é tua
sem entender que todos
estamos nos mesmos buracos.
Caro militante,
se tu não sabes o significado
de sororidade e solidariedade,
Não me venhas falar de equidade,
Não me venhas ensinar
o que é luta!
Porque a verdadeira luta
é aquela que se trava dentro
de ti mesmo.
Caro militante,
Se tua pauta é excludente
Se tua pauta não é holística,
Se tua bandeira é só tua
Se aquelas em que tu não te enquadras
Não és motivo para ir às ruas,
Não me venha falar de verdade!
Ah! Caro militante!
Se tu não sabes receber
um pedido de desculpa,
um agradecimento, um carinho,
Não queiras ensinar os outros
como ser , portar, agir, pensar
e viver.
Tu militas para se esconder
de teus desejos e de teus vazios,
de tuas derrotas e de teus fracassos!
Eu renego o teu desprezo
Caro militante! Quem milita
com a vida e com o corpo
não precisa de esmolas!
Porque o que se luta é o que se vive
e a minha vitória é o meu ser!

domingo, 22 de setembro de 2019

Nunca me imaginei fazendo parte de um grupo de Estudos dentro do Parque São Jorge. Ali dentro, descobri que o Corinthians que vivi na infância e adolescência foi um Corinthians literário.
Pura linguagem içada no seio de 4 gerações de homens de uma família de italianos na Grande São Paulo. Para eles, o Corinthians era algo físico, matéria presa ao coração, mas também vista e apalpada pelos dedos. Já o Corinthians na minha vida, foi canção.
Canção de abraço do pai , canção das origens do avô e dos devaneios . Canção de união entre irmãos que sempre se odiaram. Canção de perdão. E narrativa infinita de criação, de aventura e de heroismo.
O Corinthians era uma epopeia infinda em que eu só acessava os seus versos, sonhando em um dia navegar naqueles barcos e mares visiitados pelos mais velhos, todos homens. À mulher, reservava-se torcer no silêncio, fritar a pipoca e perguntar quanto está o jogo sem comentar mais nada. À mulher, se reservava o café, a cozinha e o espanto ante ao grito de gol, o pedido de comedimento. O abraço sem entendimento ao final da jornada.
Eu queria navegar, eu queria cantar e não ficar de escanteio como a minha vó,, minhas tias e minha mãe que mal sabiam responder às gozações. Eu queria poder lutar e sonhar ao mesmo tempo como em todas as histórias que eu ouvia.
A impressão é que em cada aventura ou mar, lá eu estava, no Pacambu, no Morumbi, na Invasão de 76. Eu estava lá pelos olhos deles; meu avô e meu pai. Eu sentia assim e em cada revista ou material proibido que eu descobria do vô Nilson, mais eu lia e mais eu sabia, mais eu adentrava aquele oceano infindo de canções.
Logo surgia 1910 e eu estava lá, junto ao lampião participando daquela gênesis, mesmo como ouvinte. Aliás, o que eu era; ouvinte. Literariamente, o Corinthians estava vivo em memórias que me pediam ansiosamente para cantá-las, registrá-las e tecê-las em um fino bordado , onde regia o público e o privado, a coletividade e a subjetividade, o espaço social e familiar, a dor de luta maior e o individuo.
Eu era apenas uma ouvinte que fora obrigada a me tornar escriba. Mas aquele barco e aquele timão não poderia ser dirigido por uma mulher, à ela se reservava o cais e o pranto.Eu remava sem saber remar e contrariava a lei do pater família.
Quanto cheguei não invejar o meu irmão que podia desfrutar desse mundo visualmente, cheirá-lo, senti-lo, apalpá-lo fora da televisão? Ele grudado nas calças do nosso pai e do nosso avô chegara a conhecer todos os limites desse horizonte. Eu apenas amava ouvir as histórias e me imaginar em todas elas.
Na verdade, nunca senti que não as tivesse vivido. Eu estava presente no gol do Luizinho no Quarto Centenário, no gol d Basílio em 77, na final d 74, na virada de 71 em cima do Palmeiras, no velório de Lidu e Edu. Eu estava lá pelos olhos deles, meu pai e meu avô.
Eles apenas não sabiam.
Por isso, representou o meu batismo como corinthiana o dia em que aos 17 anos, meu avô Nilson Morelato levou-me junto com o meu irmão até a área do fundo da casa. Abriu um forno velho de um fogão à lenha inativo e mostrou umas caixas velhas, pregadas com pregos enormes, dificeis de desmontá-las. As caixas estavam todas muito bem fechadas. Empoeiradas, resistiram pelo tempo à curiosidade e a sanha de muitos. o que seria que ali tinha de tão importante que merecia ser guardado como um tesouro perdido de um pirata?
O mapa estava dado, a senha era a primeira palavra que na família pedia parao bebê falar: Timão! Diz minha mãe que assim falei levantando os braços. Meu avô abre a caixa.
" Didi, aqui está a sua herança". Eu ri, porque meu avô tinha sido um homem de posses que perdeu tudo por causa do futebol, não havia nenhum patrimônio em seu nome. Mas ele tinha me deixado uma herança e essa estava guardada naquelas caixas velhas!
Um tesouro para naquele momento me coroar como membro desse fechadíssimo clã masculino que o Corinthians se tornara para aquela família de italianos da Grande São Paulo. A herança era a coleção completa de Revista do Corinthians dos anos 30 aos anos 60. Ele tinha todas as edições, guardadas por ele quando ainda era sócio do Parque São Jorge.
Ele me dava agora o timão para dirigir da Nau e o chapéu de marinheiro. Meu avô me reconhecia como corinthiana! Até o meu irmão esses dias me disse: - Adrienne, sempre achei um mistério ele ter dado aquelas revistas para você, afinal eu era o neto mais ligado a ele... Ele reconheceu, né? Reconheceu em você a paixão que era dele e isso para um homem machista como ele era... Confesso que chorei.
Aquele ato foi uma demonstração de amor que me deu um lugar. O lugar de escriba dessas histórias e não só de ouvinte, mesmo que eu me veja exercendo esse papel somente agora. No final, não fiquei com quase revista nenhuma, levei apenas um poster junto com as poucas roupas na única mala portada por mim de Franco da Rocha à Araraquara.
Nenhum dinheiro no bolso, qualquer coisa na bolsa para chegar, algumas poesias escritas e um poster de campeão mundial de 2000 eram as minhas posses quando cheguei em Araraquara para cursar Letras na UNESP. O poster acalentou as paredes da sala em cima da cama em que eu dormia na sala da moradia.
Hoje, eis me aqui, nesta foto, uma Encantadora de Baleias a voar como Gavião pelo horizonte do mar bravo. O Corinthians é real, é a terra segura em que hoje eu piso. Viva o NECO!
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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Distopia

Em tempos de crise
chorei em teu ombro,
perdi os meus caminhos
desfeitos em névoas.

Foram tantos vazios
em tempos de crise,
um passo ferido
o desvio e a trégua.

Quisera o teu rosto
ninar meus suspiros,
em tempos de crise
choramos baixinho.

Deitei em teu ombro
esperamos a chuva,
em tempos de crise
reguemos as plantas.

Os olhares e a lama
diz quanto morremos
nus nas estradas
em tempos de crise.

Sobrou os escombros,
salvei-me em teu colo,
a porta e as lágrimas
escondiam o teu rosto.

Em tempos de crise,
despi dos meus sonhos.