quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um poema de Cora

Um menino cego
Cravado num poema
Povoando caminhos
Lembrando-me que ir
Também é voltar

Um menino cego
Caminhando sozinho
Sem medo de andar
De por seus pés na rua
E suas mãos na vida

O menino é cego
Mas ele é que me
Mostra o sentido
Do eterno passar
Por veredas antigas.

Penélope

Olho instantaneamente à janela
Busco ao menos uma cantiga
Para enfeitar este desejo de cela
Em que enlacei a minha vida

Tanto olho e não encontro nunca
O puro adeus sem fincar a partida,
Tantas vezes precisei das mãos suas
Me acenar, mais uma vez, tua ida.

E olho mais vez uma pela janela
Procuro tua voz em todas as vindas
A acalentar meu desejo de cela
Em tuas mãos prender-me à dor linda.

Teço agora os lençóis das manhãs
Perdidas entre todos os beijos
Que ficaram para depois, na vã
Certeza do que hoje seremos.

O amor é um jogo entre a ausência
A presença, canto e o desespero
O destino embaralhado pela lembrança
De um único murmúrio e cheiro.

Adeus

Igual ao meu peito
Amanhece chovendo
A tarde parece distante
O amor, um mero instante

Fomos feitos para pedras
Ceifadas na beira do rio
Não para pescador e a sua rede
Levada embora pelas águas.

Desenhos do Caminho

Nunca conheci a vida
 Fiquei presa ao nevoeiro 
Instante de andanças 

 E vou plena de sonhos 
Espaços livres e inteiros 
Onde eu sou eu mesma
 Asas e pétalas vivas 


Dissolvidas em pureza 
Num papel de estrelas 
 E nunca conheci a vida 
Apenas o traço esparso 
De um sol de lembranças

Retiro

Anterior a todas as passagens 
As horas eram silêncios de esperas
 Últimas habitações de nossas palavras 
 Éramos ventos nus destruindo vésperas 

Rastros de chuva que só abrigavam 
O interior das últimas folhas verdes
 Andávamos tristes, parados e perdidos
 Anterior a todas essas passagens frias 
Resquícios de nossos únicos abrigos 

 Derrubávamos as estrelas pelos bosques 
Espelhos selvagens de nossa solidão 
e caímos inteiros num mosaico de abismos 

 Sobre as coisas da vida e da morte 
Hoje somos a música serena da ilusão
 À margem do acaso, da dor e da sorte. 
 Precisamos finalmente nos encontrar 
Para restituir ao tempo sua dimensão 
Dissolvida no infinito de nossas viagens