terça-feira, 31 de julho de 2018

Crueza



Meus sonhos são cruéis
porque neles, você sempre
volta.

Há ternura perdida no caminho
e o teu abraço me consola

O seu carinho ficou lá
no canto do sonho
e no canto do olho.

Não quero sair mais deste
canto,
para não me derramar
por entre as paredes

E escorrer como água da chuva
pelas ruas.

Seu abraço se dissipa
como poeira entre nuvens.

Teu rosto se venta
e eu sorrio no nosso
reencontro.

Sobrou na manhã
a aspereza do dia
a frescura do tempo
e da saudade, estreita
ventania

Entre o sono e a vígilia
há os meus olhos.

sábado, 28 de julho de 2018

O Voo Duplo.



Para os meninos, o dia chegou. Na beira do trilho da beira do rio e no sopé do morro, o encontro com o topo e a hora de ultrapassá-lo. A medida do tempo pelos pés descalços. As mãos ainda dobravam o papel e o coloriam. Eram ventos ali, enfeitando o brinquedo para subirem além do alto. Estas crianças conheciam os limites que se traduziam em morro, estrada, rio e sombra. Sempre respeitavam a paisagem como se ela fosse o Mu Gigante. O Mu era um bicho peludo da mata que carregava até a porta da cozinha, ovos cozidos e coloridos para as crianças comerem. Tão coloridos como o brinquedo que por elas era construído. O Mu parecia doce e terrível. Os limites da paisagem também.
O morro era de longe, o senhor da sombra e da neblina. Ela de manhãzinha, tingia tudo de branco e descia com fome de suas costas, deixando as pipas das ruas para trás. Os meninos habitavam o vale e espreitavam com os olhos o tamanho do gigante, como se pudessem dizer o quanto havia de desejo em suas faces em feixes de luzes. Somente aquele brinquedo poderia ultrapassá-lo, passar por cima, ir adiante, voar, subir e ser maior que o morro. Um balão. Um balão de papel colorido recortado por dedos menores e que agora não queriam nenhuma proteção. Queriam apenas o céu além dos olhos.
O balão estava pronto e todos os pequenos o seguravam no limite do limite da paisagem. Entre o final do trilho e a última árvore, na margem do rio, o morro crescia. Crescia mais que os próprios campos a perder de vista, enquanto os meninos diminuíam. No pé do morro uma estrada, o seu rio no pé dos meninos que só tinham um trilho para calçar. O balão tremia e embora, torto e penso, subia. Os meninos, de repente, cresciam e flutuavam junto dele. Finalmente, havia algo que subia para além do morro, vagando com a força dos olhos dos meninos.
O balão se desmanchando, enquanto as crianças não saiam daquele instante. Elas permaneciam estáticas ao sopé do morro, no final do trilho à beira d´água. Só os seus olhos se mexiam, mas suas vidas flutuavam e eram livres junto ao balão que a cada minuto, os deixava mais e mais para seguir viagem. Ele ia sumindo, sumindo, mas levava a liberdade de ser. Enquanto as crianças, uma névoa as neblinava pouco a pouco como um sonho. Dizem que seus pés ainda estão lá, fincados no chão como as raízes das árvores, porém, os olhos delas foram carregados pelo balão para o infinito bem longe, onde há poucos morros.