terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cantiga de Meninos

E todas as vidas são abismos 
Parados no meio da rua 
Perdidos em cada esquina. 

 Porque choram os meninos 
E vão cantar em todas as saídas
 Para o único e amplo resquício 
De alegria de criança nesta vida.

 Mas antes de parir, esses meninos 
O canto e o pranto nas descidas 
Vão brincar de flores, pedras e caminhos.

sábado, 5 de dezembro de 2009

O Cosmos

O Universo dorme no sopro
De cada ser vivo ou não vivo
Estende a vida a todas as coisas

No seio da Natureza, o Universo
Respirado em formas de palavras
"faça-se a luz e a luz se fez
porque no princípio era o verbo"

Então cria-se da palavra, Natureza
Cria-se em poesia e na dor da lua
Parida no céu pelo amor divino
Seu ventre se abre em gotas de Sol

Criados da palavra, o Universo se deita
No seio da Natureza, seiva dos vegetais
Leite de rios, leito dos caminhos
Derramam-se para todos os famintos

E faça-se a vida plenamente
Do início de todos os inícios.

Força da Vida

Entrega-se à força da vida
Imensurável gesto primeiro
Do amor dos astros com a água
Substância que se encaixa
Na forma de outra substância

Entrega-se à vida, luta do cosmos
Em consonância com as rochas
E o solo, perfume e carícia
Singela dos ares em movimento

O inexaurível, o inominável
Aquilo que não pode ser tocado
O frágil resquício do invisível
O estático, o pálido, o palpável
Na dor de se vê um sopro fino.

A vida nunca foi um gesto plácido
Uma luz etérea...
Mas o tumulto e a entrega
Do divino e do espírito
À matéria feita de matéria.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Um poema de Cora

Um menino cego
Cravado num poema
Povoando caminhos
Lembrando-me que ir
Também é voltar

Um menino cego
Caminhando sozinho
Sem medo de andar
De por seus pés na rua
E suas mãos na vida

O menino é cego
Mas ele é que me
Mostra o sentido
Do eterno passar
Por veredas antigas.

Penélope

Olho instantaneamente à janela
Busco ao menos uma cantiga
Para enfeitar este desejo de cela
Em que enlacei a minha vida

Tanto olho e não encontro nunca
O puro adeus sem fincar a partida,
Tantas vezes precisei das mãos suas
Me acenar, mais uma vez, tua ida.

E olho mais vez uma pela janela
Procuro tua voz em todas as vindas
A acalentar meu desejo de cela
Em tuas mãos prender-me à dor linda.

Teço agora os lençóis das manhãs
Perdidas entre todos os beijos
Que ficaram para depois, na vã
Certeza do que hoje seremos.

O amor é um jogo entre a ausência
A presença, canto e o desespero
O destino embaralhado pela lembrança
De um único murmúrio e cheiro.

Adeus

Igual ao meu peito
Amanhece chovendo
A tarde parece distante
O amor, um mero instante

Fomos feitos para pedras
Ceifadas na beira do rio
Não para pescador e a sua rede
Levada embora pelas águas.

Desenhos do Caminho

Nunca conheci a vida
 Fiquei presa ao nevoeiro 
Instante de andanças 

 E vou plena de sonhos 
Espaços livres e inteiros 
Onde eu sou eu mesma
 Asas e pétalas vivas 


Dissolvidas em pureza 
Num papel de estrelas 
 E nunca conheci a vida 
Apenas o traço esparso 
De um sol de lembranças

Retiro

Anterior a todas as passagens 
As horas eram silêncios de esperas
 Últimas habitações de nossas palavras 
 Éramos ventos nus destruindo vésperas 

Rastros de chuva que só abrigavam 
O interior das últimas folhas verdes
 Andávamos tristes, parados e perdidos
 Anterior a todas essas passagens frias 
Resquícios de nossos únicos abrigos 

 Derrubávamos as estrelas pelos bosques 
Espelhos selvagens de nossa solidão 
e caímos inteiros num mosaico de abismos 

 Sobre as coisas da vida e da morte 
Hoje somos a música serena da ilusão
 À margem do acaso, da dor e da sorte. 
 Precisamos finalmente nos encontrar 
Para restituir ao tempo sua dimensão 
Dissolvida no infinito de nossas viagens

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Vozes

Em todas as estradas desertas 
Há um canto desesperado 
Ecoa dentro das árvores e das pedras
 
Como um vento preso dentro do mato
. O canto desperta os pássaros 
E assusta as folhas longe e caídas 

Os santos aparecem no cruzamento 
A terra grita, seu firmamento.
 E todas as folhas se misturam
 Em vozes e sombras nos leitos dos rios 
Partindo sempre com a correnteza 
Na direção do acaso e da noite.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Filhos do Cerrado

Não importa
Que tenha nos tirado
Do Parque Estadual
Do Juquery.
Porque nossas
Pegadas já se escreveram
Em suas estradas e trilhos.
Não importa
Que tenham nos arrancado
De nossa casa, tão vasta
E plena como o campo da aviação
Arrancados do chão
Como suas flores,
Porque já somos na alma
seus rios e pássaros
somos filhos do Cerrado
e mesmo longe
o Parque já mora na gente
e aonde iremos
ele irá.

Menina

A Menina corre sorrindo
Atordoada pelas pedras
E pela vida...

A chuva procura a pedra
Que se revela no horizonte
Aflito daqueles olhos alegres

A chuva partiu a pedra
A vida passou aflita
E ela, sem saber de nada

Corre atordoada a menina
Entre os restos de chuva passada
Seus olhos, pedrinhas do chão.

O chão batido marca a aflição
Dos pés que voam presos a terra,
Descalça, a menina passa perdida.

Atrás de um horizonte que ela
Não vê e que tem nas mãos,
A menina procura a chuva

Ela corre até ferir o nada
Quando seus olhos descalçam a vida
Como a chuva a pedra

Seus olhos já foram embora,
Deixaram dois vazios na menina
Que corre ainda sem saber...

A vida passou pela estrada
E ela ficou como sombra das poeiras
Estátua de terra no horizonte invisível.


Adrienne Kátia Savazoni Morelato

Para Mário de Sá Carneiro

Queria ser alguma coisa
De útil, neste mundo
Talvez árvore, talvez nuvem
Quem sabe vento
Ou água escorrendo

Menos essa sombra
Esse vago, essa angústia
Esses minutos de dúvida
Esse olhar de descontentamento

E tudo parece morrer
Na espera, na saudade
De ser simples sereno
Ou vontade, ou querer

Queria ser um risco
Ou desenho na folha
Pela metade
O rasgo é movimento,
É dor inteira e verdade

E tudo parece morrer
Quando se quer a saudade
De ser nuvem, de ser vento
De ser árvore no sereno, e água
Que invade o momento
E a tarde...

sábado, 11 de julho de 2009