sábado, 21 de outubro de 2017

A paz de Deus e do Eu

Deixo a voz das minhas olheiras falarem
Suas peles são como a estrada em que um dia
foi um rio, onde não há nada mais para secar
Nem para seguir.
Uma névoa que borra o meu peito
Uma dor que treme as minhas mãos
E a paz de seus braços que já não tenho
sombra assombra meu coração.
Peço então, a paz da face nua de Deus.
A paz maior, espiritual, calma e branda
aquela que não termina com um beijo
perdido, mas que se planta na planta
E que nos traz a exatidão dos aflitos.
A face de Deus moldada nas árvores,
Suspiros de paz para todos os vencidos
paz pura e santa pelas folhas aos ares.
Peço a paz dos olhos húmus de Deus
Arrancando as dores, como as raízes
Respiradas na crueza das palavras
que alimentam todos os conflitos.
Os humilhados úmidos de suplícios
restauram o ventre fértil da canção,
A pá da paz limpou as pedras e as dores
E o sonho brotou firme daquele chão.
Sujando os dedos de carinho
Os rios de Deus deságuam em pele e pão,
socorrendo a boca dos famintos
com as cores do útero da terra.
A paz germinada em sementes e farelos
Espalhou pelos ventos os flagelos
Dissipou todos os males e angústias
e levou para tu, as areias do amor.
Na face de Deus, Deus me deu o seu adeus
para desenhar a minha última procura,
Enquanto os ventos inteiros e profundos
Carregaram para fora as agonias do mundo.
E que a despedida envolva nossos dias,
Enquanto a paz se faz para a humanidade
No sopro do abraço e do perdão.
E que Deus refaça do húmus, o seu espelho.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Irmãos

Irmãos

Deixamos de andar descalços
Na terra vermelha,
Deixamos de assoprar as flores
Pompons brancos no campo.

Deixamos de dar nome
Às árvores e cantar para elas,
Conversar com elas,
Dar nossa infância
Para que nos carregassem
Até o céu mais azul do mundo.

Deixamos de correr
Com os braços abertos
Abraçando o vento
Buscando folhas
De clorofila e de papel
Rindo da felicidade

Coisa boba
Que os adultos querem
E procuram.
Não nos perguntaram
A onde ela estava
Até porque nunca pensamos
Nisto.

Hoje, já se apagaram
As nossas pegadas,
Já nasceram outras flores
Mas ninguém as assopra
Cai as folhas no mato
E ficam lá intactas
Até apodrecerem,
O vento se dissipa
Porque não tem ninguém
E as árvores?
Secam-se pouco a pouco
De solidão. Morrendo
É que nos dizem
O quanto nos pertencemos.

Agora,
Procuramos
E pensamos
Na felicidade.

Mama


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Verte do peito o sangue na boca
Derruba neste momento
Todas as teorias e lamentações
Somos uma só agora
Transbordadas de poesia
Este alimento é de graça
É puro, ninguém pode roubá-lo
Ninguém pode destruí-lo
ele é só seu, filha
bebe o seu leitinho quente
passa a mão no teu peitinho
que é também teu travesseiro
seu naninha
sua segurança
onde tu tens a paz
onde tu dormes tranqüila
e nada e ninguém
te pertuba
quando cresceres, filha
for mulher e sofrer
a dor de ser mulher
e chorar, podes vir filha
Podes vir no regaço de tua mãe
Podes deitar nestes velhos braços
Cansados e encostar tua cabeça
Em meu peito,
Onde por tantas vezes
Tu te alimentaste e dormiste
Quando criança.
E tudo será pequeno
Perto deste abraço.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A face do infinito


Subvenção de US$ 500 mil dos bispos EUA para implementar a Laudato Si -  Vatican News



O meu rosto não é bonito
Ele tem as marcas do vazio,
Das dores impressas nos anos
Rasgos no silêncio da pele.

O meu rosto não é bonito
Veste nele o desengano,
Um adeus que não escorri,
Em suaves desencantos.

O meu rosto, eu o vejo
Feito de cicatrizes e fins,
E na fronte, uma lágrima
Pedra que fura o espelho.

Ele carrega todas as marcas
do seu pequeno despeito,
corrói meus olhos de dentro
entrega-se nós nas pálpebras

O meu rosto não é bonito
Ele não tem olhos azuis,
Tem o seu último beijo
Que eu não pude sentir.

O meu rosto não é bonito
Ele tem as marcas da fome
Que um dia, no vento, engoli,
Papel das sombras e, do tempo.






quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Obra de Pedro Quintanilha


Pedro Pintura, Pedro Quintal

Cidade dos loucos
cidade dos morros
ruas tortas, becos gordos
cachorros soltos
crianças, cirandas, bandas
casas sem rebocos
e sem número à beira
da beira da beira.

Cidade de cores destoadas
pouco brilho, sem definição
terra de campo
terra de pouso
grande espaço para o voo.

Alegre são os olhares
Nesses, há a verdade
de uma terra mais livre
do que seu chão
e de gente mais firme
do que suas rochas.

Entre esses olhares
há o de Pedro,
Pedro pintura
brilhava as cores
coloria o brilho
e via, nas ruas tortas
todos os caminhos
do mundo.

Pedro pintura
pintava, riscava
Pedro quintava
arte, rasgava a vida
e trazia ela para o
seus quadros
com a força da poesia.

Suas tintas sangravam
Quintais e sopros.
Seu pincel eram artérias
a pulsar e expulsar cores
e formas e sonhos.
O cavalete,  os seus pés
a tela era o seu  corpo.

E Pedro pintura
Pedro Quintal
solitário, reunia
em cada traço
em cada gesto fixado
no desenho em que vivia
toda a dor de um povo
toda a melancolia
de um século de rejeição
de um povo rejeitado.

E mais do que dor
de um povo, de uma cidade,
de um bairro, de uma vila
o que mais me doía
o que mais eu sofria
ao ver os quadros de Pedro
era ver revelado
o infinito de suas angústias,
profundamente belas
como rosas desfolhadas
na madrugada de um jardim.

Não era Pedro
que dizia algo
pintando quadros
fazendo poesias
com seu sangue tintas
mesmo que a cidade
ficasse mais bonita.

Era a sua arte
era o seus quadros
que o desenhava.

Pedro se imprimia
imprimia seu olhar
de morro, do beco gordo
sua face lívida
o quintal inteiro
que há lá dentro
de seu olhar de louco.

Uma loucura presa
contida em seu corpo
quintal, em seu corpo
jardim, uma loucura
que cura o mundo.

Sua pintura fazia
a loucura voar
libertar-se para outros
pousos.

E, de repente, você
também se via
dentro de uma tela!

Não há como não chorar
vendo uma pintura
de Pedro.

Ele, mais do que artista
é um médico de alma
e nos devolve
para dentro de nós mesmos.