domingo, 20 de outubro de 2013

Bendita árvore

Bendita árvore cerrana
Que não se desmancha
Ao fogo, Bendita
Árvore que fica
Em pé, entre as cinzas
Viva, viva o teu chão
De fuligem, teu tronco
Em cascas pretas
E teus galhos retorcidos
De agonias e de dores,
Como se gemessem
Pequenos gritos,
Carcomidos pelas chamas
Enquanto suas folhas continuam verdes

Verdes e verdes pelo sol
Ou amparadas pelo sereno
Quando escurece a noite,
sereno torce em orvalho que
as transformam num
espelho da manhã

A árvore cerrana
Cerra a morte, como cerra
Esta não entra
Entre as sombras
De sua fina copa.
Há tanta história
Contada em teus trilhos
Pedregulhos, terra vermelha
Barro, chão de barro
Pássaros, vento, ar seco
Chuva rápida, mosquitos

E a sua árvore
Continua firme
De pé
Em qualquer
Rajada de fogo
E de vento

O cerrado
É contra
O tempo
Contra a
História
Contra
A morte.

Nehum lugar é igual

Tantas estradas que eu pisei
tantos caminhos que eu andei
mas, nenhum era igual aquele
nenhum era igual aquela
onde o nevoeiro encobria
todos os passos de manhã.

Nenhum caminho que trilhei depois
tinha aquele cheiro, aqueles sons,
cheiro da relva orvalhada cedo,
cheiro das flores frescas da noite,
cheiro do mato seco apodrecendo
das cascas e sementes criando terra

O som das andorinhas em revoada
meus cabelos todos, esvoaçavam
e tingiam de luz meus pensamentos,
no momento em que elas se abriam
no alto de mim, em puro devaneio
assim, eu conseguia ver além do céu.

Havia também o som das borboletas
o som dos grilos, o som do eco da noite
o som do fundo da mata e do rio,
a fala misturada dos bichos, o frio
que faz na madrugada em desvalinho
e na manhã a tristeza do ipê sozinho
que floresceu sem ninguém vê.

A árvore solitária no final do monte
os trilhos encobertos pelo capim gordura
e a solidão que meu peito esconde,
só lá se fez ouvir essa dor, essa angústia
por isso procuro esse lugar, esse horizonte
busco nas reminicências sua criativa pintura
que fez me inteira e real, parte de seu todo








quinta-feira, 17 de outubro de 2013


O mundo existe e não existe
                        na orgia diabólica dos sonhos            
à despeito dos sentidos,
                             e se estranha nas entranhas
subjetividade que espanta.

A consciência se empalidece                          
à despeito dos sonhos
                                              na orgia diabólica dos sentidos,
subjetividade que estranha.
                                                Rosas do absurdo no universo

diluiem as coisas em surtos
e recompõe-se em versos.

Sentada no Jardim Botânico
vejo a vida secreta das borboletas
essência do existir em prantos.

Pequena Nausea




Pequena nausea


Ausência de mim
cortando o eu
vazio sem fim
trazendo o adeus

a dor que esvai
entre luz e parede
não é maior que
o abismo da mente

ausência do eu
sombra e sonhos
sobra-se nada
o nada é o tudo

eterno e sombrio
perda e luto
ventos e distância
do ser e do mundo.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Do corpo e da poesia




Sei que a poesia
é feita de palavras
mas...

Permite-me encostar
a ponta de meus pés
na areia simples e clara
das praias aquareláveis

Piso uma a uma
enquanto elas se desmancham
em mar e montanhas
em sombras e luzes do sol
formando cachoeiras
onde meu corpo se nutre.


Nua, choro a brisa da noite
as águas mortuárias do oceano
e toda solidão que a poesia
pede e necessita

A trilha na areia em que ando
é feita de cores amargas
estreita-se nas pedras vivas
e se farta de muitas águas
enquanto pouco a pouco
meu corpo vai se desvelando
em transparência, mais nada.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Retorno





Ontem, voltei para a casa antiga
depois de uma estrada sinuosa
chuvas e lama, e rios entrecortando
súbito, eu mais uma vez dentro dela
ela estava pintada, parecia nova

A casa novamente habitada
e seus corredores estreitando
minha chegada à cozinha rosa
na qual meu avô ficara aguardando
com um pouco do seu café

Meu avô oferecera um quarto
para que nunca mais eu saisse
havia quartos vazios e disponíveis
para que se instalasse em definitivo
minha eterna e vaga moradia

Eu sabia que o café não existia
eu sabia que a casa era morta
e que ninguém morava nela, há anos
eu sabia que o café era feito
de faz de conta, mas eu bebia

Bebia com uma saudade insólita
o café que ia se dissolvendo
dentro de uma caneca grossa,
a pia de mármore estava de lado
mas ainda da janela eu via o quintal

Enquanto os quartos iam escurecendo,
minha poesia despejada de tudo
de todo pesar, memória e ideal,
tornando-se nômade e estrangeira
solitária na névoa de um sonho...

Uma história tocante

No quarto de um hospital
se ouve uma triste e bela
melodia...
é um filho que ao pai
nina!

Não há palavras, só mímicas
e a música do saxofone
com os últimos gestos
em sinfonia...
declarando um infinito amor!

Neste íntimo concerto do adeus
pudesse o filho por um momento
conversar face a face
com Deus...
par cantar os antigos dezembros.

Pediria para se ver no berço
menino ainda, tão frágil e pequeno
dormindo agora sob a voz terna
daquela figura paterna
que estava ali, desaparecendo...

O som dos instrumentos do seu pai
a flauta, o saxofone, o acordeon
foram sua verdadeira língua materna!
E de agora em diante, terás
que aprender a falar sozinho...

Mas toda vez que seus dedos
e folego tocarem uma cantiga
serena, infinita, triste e bela
seu pai ali estará sorrindo
presente na arte que lhe legou.

terça-feira, 2 de abril de 2013


Os adeuses foram muitos
mas a vida uma só
e as palavras incompreensíveis
para escrever uma carta
em que tu estejas todo dia

Apenas te digo em sonhos
os lugares onde não te encontrei
e eu lá estavas, desfeita
em poeira, em brisa, em lágrimas
como uma luz que se dissipou
ao fim de toda estrada

Tuas mãos se apagou no nevoeiro
nunca mais eu a pus entre as minhas
nunca mais eu vi o teu rosto
fostes meu suplício e a minha dor
e hoje? O que tu serias?

O pecado do amor morreu entre nós

Milagre no Século XIX

Até que enfim
Deus chorou
quando viu
suas árvores
serem milagres
ao ficarem velhas
e cascudas e enormes
e ainda sim
vivas

Até que enfim
Deus chorou
quando viu
seus animais
correrem livres
pelos campos

Até que enfim
Deus chorou
quando viu
seus rios
transparecer
as pedras, os peixes
as algas
e o fundo com
uma fina areia


Até que enfim
que Deus chorou
quando viu
seus mares
carregar ainda
um pouco de solidão

até que enfim
Deus chorou
quando viu
brotar na terra
a pequena semente
e a terra ainda úmida
e quente e solta e fértil

Até que enfim
que Deus chorou
quando viu
a chuva ser pura
e fecundar a terra
molhar a semente

Até que enfim
que Deus chorou
quando viu
alguém lembrar de si
parar à noite
para se deslumbrar
com as estrelas

Deus chorou
chorou, chorou
chorou, chorou tanto
que de repente
por um momento
o mundo ficou
mais bonito
aos olhos do homem.